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terça-feira, novembro 26, 2024
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InícioCultura“O mez da grippe”, no ano do coronavírus

“O mez da grippe”, no ano do coronavírus

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Ana Justi conta no Plural que o ano de 2020 tem sido atípico e, em meio às suas muitas singularidades, está uma anunciada pela Arte & Letra: a editora curitibana acaba de lançar uma nova edição de “O mez da grippe”, de Valêncio Xavier (1933-2008). O livro estava há anos fora de catálogo. Sua última edição havia saído pela Companhia das Letras em 1998, com reimpressões que foram até 2002. 

O livro é uma espécie de colagem: há recortes de jornal, depoimentos e gravuras narrando como foi o período da gripe espanhola em Curitiba, entre novembro e dezembro de 1918. “Não teve uma relação direta com o que tá acontecendo agora, foi mais uma coincidência mesmo”, diz Thiago Tizzot, editor da Arte & Letra. “Ter a obra fora de catálogo é algo muito ruim para a cidade. Poder contribuir para que a obra do Valêncio esteja acessível de novo é importante.”

Valêncio Xavier

“A pandemia contaminou tudo”, diz José Carlos Fernandes, professor e jornalista que trabalhou por dez anos ao lado de Valêncio Xavier (que era paulistano, mas viveu “500 anos” em Curitiba, como gostava de dizer). E, não à toa, o momento atual acabou dando mais visibilidade à obra, que recebeu bastante atenção nas últimas semanas.

Coincidências

Não foi só o momento do relançamento que foi povoado por coincidências. Ler “O mez da grippe” em meio à pandemia do coronavírus é uma experiência por si só. “As analogias são instantâneas, a gente vai ler ‘O mez da grippe’ a partir de uma experiência real, e não mais só do esforço imaginativo”, diz Fernandes. 

É impossível não procurar por similaridades com os tempos atuais – e encontrá-las. “É impressionante como ele reflete o que a gente está vivendo agora, uma coisa de 100 anos, escrita quase 40 anos atrás. Parece que você está abrindo um site de notícias de hoje”, diz Tizzot. 

Um novo-velho livro

E não foi só agora que a obra de Valêncio – declaradamente um homem do cinema, fundador da Cinemateca de Curitiba – fez barulho. “O mez da grippe” já tinha duas edições locais, uma pela Secretaria de Cultura, em 1981; mas foi com a edição da Companhia das Letras, de 1998, que ganhou alcance nacional. “Quando a Companhia das Letras lança o Valêncio, ela vai fazer isso dentro de uma estratégia de marketing do mercado editorial. Que é dizer para o Brasil que ele era inédito, que era praticamente um cara do mimeógrafo, um marginal. E isso despertou um grande interesse”, afirma Fernandes. 

Diretor, escritor e roteirista, Valêncio foi entrevistado por cadernos culturais, e até mesmo pelo Jô Soares. A obra chegou a figurar entre os mais vendidos, da revista “Veja”. Para Fernandes, destacar a importância da obra é falar de um senso comum, no qual se reconhece o caráter inovador do livro em termos de linguagem. “O Valêncio estava dialogando com uma tradição modernista, mas dentro de uma esfera muito particular dele”, afirma o professor. “Acho que o livro tem esse lugar da literatura experimental, dentro da nossa produção nacional. E também de uma literatura modernista que se abre de uma maneira muito escancarada para outras linguagens.”

Com base em sua convivência com o autor, e uma certa licença poética, Fernandes diz que a literatura acabou sendo a forma que Valêncio encontrou de fazer cinema: “Ele fazia cinema com o que dava, com a literatura, usando esse material que ele colecionava em casa: iluminuras, gravuras antigas, desenhos a bico de pena”, diz. Assim, “O mez da grippe” nasce de uma certa tendência dadaísta, segundo Fernandes, em que Valêncio encontra as histórias prontas, soltas, cabendo a ele – enquanto autor – identificar uma narrativa, e montá-la baseado no sentido que vê em seu próprio imaginário.

Uma obra para ser vista

Falar de uma obra composta por uma colagem de recortes de jornal, ilustrações e testemunhos pode parecer simples, mas há um consenso sobre a sofisticação da obra de Valêncio. Não é uma obra para leitores iniciantes. “Apesar de ser um livro aparentemente fácil, ele exige uma prática de leitura, exige um leitor minimamente maduro. Uma obra fragmentada, que você tem que ir fazendo as ilações e as construções sem que a história te mantenha passivo”, afirma Fernandes. Nas entrelinhas de Valêncio, existem significados e também seu humor peculiar. 

“[A primeira leitura] correspondeu, para mim, ao Big Bang. Eu nunca tinha visto nada parecido: uma obra que fosse literária, que tivesse ambição literária, que misturasse poesia, documental, testemunhal e elementos gráficos típicos das páginas de imprensa”, afirma o escritor Joca Reiners Terron – que foi amigo pessoal e editor dos livros de Valêncio. “Quando eu li e vi – porque não se trata só de ler o Valêncio, mas de vê-lo também – aquilo teve um impacto tremendo. Um Big Bang de possibilidades que o livro abriu para mim”, diz o escritor que compara o contato com o livro à uma “iluminação”.

Seja pelo filtro do cinema, do artista plástico, ou do autor, o fato é que – 12 anos após a morte de seu criador – “O mez da grippe” volta a ver a luz do dia. Desta vez, para possivelmente lançar luzes, e mostrar novas possibilidades, a um momento no mínimo tão singular quanto a obra de Valêncio. 

Livro
“O mez da grippe”, de Valêncio Xavier. Arte & Letra, 76 páginas, R$ 42. A editora e livraria atende pelo telefone: (41) 3223-5302; WhatsApp: (41) 98517-7032; e instagram: @arteeletra

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