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domingo, dezembro 22, 2024
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Musin tem o acervo mais completo da música paranaense

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Digão Duarte*

Nos mais de 20 anos a que me dedico ao jornalismo cultural em Curitiba, nunca encontrei um acervo maior e mais completo sobre a música paranaense do que o do Musin – Museu do Som Independente, montado por Manoel Neto (figura polêmica para muitos, eu sei, mas este não é o foco da discussão).

Manoel Neto (Foto: Dálie Felberg/Alep)

Além de CDs, vinis, cassetes entre outros formatos, o acervo é composto por toda sorte de documentos relacionados aos artistas, ao cenário musical, a iniciativas na área, a aspectos socioeconômicos da música, entre outros. Nisso entram cartazes, flyers, fotos, releases, reportagens em jornais e revistas, até atas de reuniões de instituições da classe, entre tantos outros itens. Estima-se que sejam 3.000 discos e CDs, além de 200.000 documentos.

Todo esse trabalho acabou de completar 30 anos. Começou em 1990. Como conheci o Manoel em 1996, pude ver esse acervo ainda no começo, quando nem era elevado à condição de Museu. Cabia em algumas prateleiras, hoje ocupa mais de 30 metros quadrados. Apesar de não estar em um imóvel dos mais apropriados (ocupa boa parte do apartamento do Manoel) é um museu mesmo, que foi reconhecido pelo IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus. É feito na raça, nunca teve lei de incentivo ou algo semelhante, fazendo valer o lema punk “do it yourself”. Um trabalho bem feito apesar da dificuldade.

Esse acervo já rendeu muitos frutos. E fico contente em lembrar que participei de alguns deles. Em especial na segunda metade dos anos 90 e início dos anos 00, quando a cena local estava em efervescência, com um bom destaque na mídia nacional, inclusive. Manoel era produtor na época e juntava uma galera pra fazer várias ações que contribuíram com o cenário musical: shows, programas de rádio, fanzines, CDs, entre outras empreitadas.

Os CDs coletâneas foram produzidos com o intuito de registrar a cena da época (ou melhor, recortes dela). Entre eles estavam “Borboleta 13”, “Lototol” (que nasceu de uma coletânea em K7 lançada por um fanzine que editei, o papakapika), “Guitar”, entre outras. Rolou de juntar uma equipe de zineiros e artistas de várias épocas para editar o Mais Zine, que teve 4 edições. O programa de rádio Garage 96 ficou 4 anos no ar, tocando a cena local na saudosa 96 Rock FM.

O projeto mais ambicioso mesmo deve ter sido o livro “A [des]construção da música na cultura paranaense”, lançado em 2004, com 80 artigos de 39 autores (entre pesquisadores, jornalistas e músicos) retratando os mais diversos aspectos da música do estado em um calhamaço de 707 páginas. Eu escrevi 8 desses artigos e lembro do trabalhão que deu…

Era de se esperar que um acervo e um livro como estes tenham chamado a atenção da academia. Cerca de 200 monografias já foram escritas, citando o Musin ou livro como uma das fonte de pesquisa. Isso sem contar que o “[des]construção” foi incluído na lista de livros obrigatórios do vestibular da FAP – Faculdade de Artes do Paraná.

Muito bacana. Mas nem tudo são flores nessa história. Imagine você sustentar um museu nessas condições domésticas depois de 30 anos. Chega uma hora que cansa, ainda mais quando não se tem o apoio necessário. E ainda por cima rola o desdém da própria classe musical e até mesmo do poder público. Aliás, o Estado até prejudicou. Não fez a parte dele, que tem por obrigação legal preservar o patrimônio cultural (está na Constituição). Sem contar que existe uma assessoria técnica gratuita de preservação para os museus, mas que foi negada ao Musin, provavelmente por motivos políticos (o Manoel foi Conselheiro, e esse provavelmente é um motivo).

Chega a ter músico que diz que não sabia da existência do acervo mesmo tendo se envolvido em algumas ações relacionadas a ele. Sem contar uns outros ligados à área que chamam de “coleçãozinha” sem sequer ter visto. Sem contar que ainda aparece gente pra desqualificar o trabalho.

Manoel publicou recentemente uma série de posts pessimistas sobre um possível fim do Musin e o acervo. Mas com uma luz no fim do túnel: está aceitando convênios de universidades e prefeituras para deixa-lo em melhores condições. E não precisa nem ser do Paraná, mas de qualquer região do Brasil (ou até do mundo). Se o Estado não cuidar, perdeu. Mas o panorama pode ser pior. Se não rolar convênio nenhum, todo esse acervo pode ser encaixotado, amontoado numa garagem qualquer de algum amigo ou familiar e ficar por anos esquecido e entregue à própria sorte. Seria uma grande perda para a memória da música do estado.

Faço votos e dou apoio para que isso não aconteça. E não é preciso depender apenas do convênio com uma instituição. Pequenas ações dos interessados somam bastante para contribuir, como doar itens para o acervo (eu contribuo há um bom tempo, e já doei CDs, flyers, livros, matérias de jornais, etc), ou algum equipamento que possa auxiliar em tarefas de arquivamento, tirar um tempinho para ir lá ajudar a organizar arquivos, e também propor projetos (de pesquisa, de livros, de filmes). Dessa forma, músicos, jornalistas, cineastas, historiadores, pesquisadores poderão seguir usando o acervo para seus projetos, afinal são eles quem deveriam se preocupar mais com esse acervo e somar em sua defesa.

* Digão Duarte é crítico de música e jornalista cultural

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