sexta-feira, janeiro 31, 2025
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Petista histórico está na UTI

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O militante estudantil, publicitário e escritor paranaense Antonio Cescatto deu um depoimento sobre Roberto Elias Salomão, um petista histórico, que viveu na sombra do crescimento do Partido dos Trabalhadores do Paraná, e que está na UTI, em situação delicada devido o avanço do câncer, provavelmente do cigarro que não desgrudava.

Salomão, como era conhecido nos bastidores, deixa um legado de vida com a política sempre em primeiro lugar, leia o depoimento de Antonio Cescatto.

“Nesta segunda-feira, no final de janeiro, verão de 2025, eu e meu camarada Ângelo Vanhoni fomos visitar o grande camarada, militante, organizador, idealista, trotskysta, daqueles que raspam o joelho se ajoelhando na pedra da paixão, nosso Roberto Elias Salomão.

Salomão, que é como sempre o chamamos, paulista da Faculdade de Comunicação da USP, veio para Curitiba em 1978, quando a ditadura militar agonizava mas resistia, e nem a anistia ampla, geral e irrestrita havia sido decretada. Veio como organizador da pequena mas vibrante célula da Libelu, ou Liberdade e Luta, ou OSI, para os mais internacionalistas.

Salomão não correspondia ao padrão de militância da época. De um lado, era um organizador metódico, uma inteligência aguda para as discussões dialéticas, uma compreensão apurada do quadro nacional e mundial. Um grande quadro, afinal. Mas Salomão tinha algumas pequenas e importantes particularidades que o distinguiam dos demais militantes que conhecíamos, já diferentes e severos críticos dos militantes da luta armada.

Salomão se interessava por coisas menores. Apreciava a delicadeza de um haikai. Sabia e era capaz de dizer poemas da literatura brasileira, lia e lera vários clássicos além e aquém dos clássicos políticos (Vladimir, Carlos, Léon) e, acima de tudo, amava histórias em quadrinho. Era parceiro para qualquer tipo de conversa, e mesmo considerando o peso da estrutura econômica sobre a superestrutura cultural, não nos chateava com discursos monocórdicos. Conhecia os Beatles, deixava rolar.

É isso: Salomão deixava a vida rolar. Não colocava diploma nem distintivo na sua insígnia idealista; bastava, para ele, lutar pelo que acreditava com tanta verdade e paixão. A vida não é generosa com quem ousa pensar e viver assim. Mas Salomão, talvez até por falta de talento, preferiu sempre o copy-writer ao ícone literário. Satisfazia-lhe saber que estava fazendo a sua parte, mesmo que às custas da segurança pecuniária.

No apogeu da minha, hoje, tão insignificante trajetória política, Salomão foi meu companheiro inseparável. Todos os dias íamos para o centro, andando , conversando, nunca sobre política. Nesses adoráveis passeios, sem horizonte ou perspectiva de vida além daquela – atravessar uma quadra –, eu era, de repente, surpreendido ao olhar para o lado e não ver meu parceiro. Ele estava um ou dois passos atrás, parado em frente a uma pedra, maior ou menor, ou diante de uma tampinha. Ele olhava para o chão e olhava para um ponto distante, uma placa, uma árvore, dava uns passos para trás – e chutava. A pedra ou tampinha descrevia uma hipérbole perfeita e chegava exatamente no alvo pretendido (quer dizer, quase sempre). Nesse instante ele virava e me olhava com olhar de triunfo. Sorria levemente e continuávamos. Ele era o Rivelino das pedrinhas de rua. O Didi das tampinhas.

Hoje, quando fomos visitá-lo na UTI do Nossa Senhora do Pilar, onde está internado, a solícita doutora, como é característico do zeitgeist terapêutico da época, recomendou-nos falar de experiências comuns, de forma a que “a consciência aflorasse”. Como entendem pouco de consciência os médicos. Mas obedecemos. Tentamos falar de tudo. Perguntamos a ele quando tinha entrado na organização e ele, mesmo obinubilado pelos medicamentos e lesões, respondeu seco, como o Salomão responderia se estivesse numa mesa, com ar debochado e irônico: “Mas que importância tem isso?” Tentamos a casa em que vivemos no Bom Retiro, histórias de discussões, de situações – e a tudo ele respondia: “Que importância tem isso?”.

Pensando bem, meu amigo, importância nenhuma. Só o que importa são aquelas tampinhas e pedrinhas reais e simbólicas que você chutou com tanta elegância ao longo dessa vida que eu tive a alegria de acompanhar por tantos dias.”

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