O governo Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) enviou ontem um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) solicitando autorização para iniciar o processo de desestatização da Ferroeste. A estatal, que possui 99,6% de participação pública (com o restante distribuído entre 46 empresas nacionais, três estrangeiras e seis pessoas físicas), opera o trecho ferroviário de 248 quilômetros entre Guarapuava e Cascavel.
O objetivo é impulsionar investimentos no setor ferroviário, reduzir custos logísticos para o setor produtivo, e apoiar a expansão das cooperativas e da produção agropecuária no estado. A proposta também visa diminuir o consumo de combustíveis fósseis, reduzir acidentes rodoviários, fortalecer a economia estadual e o comércio exterior, além de diminuir a interferência política e aumentar a arrecadação.
A iniciativa acompanha duas tendências nacionais: o crescimento da movimentação de granéis agrícolas por ferrovias, segmento que mais cresceu em 2023, e o aumento de investimentos em modais alternativos ao rodoviário. Atualmente, a Ferroeste representa apenas 0,1% dos investimentos do setor ferroviário no Brasil, que alcançou R$ 6,4 bilhões em 2022.
Com a aprovação da lei, o Governo contratará um estudo para determinar a melhor modelagem do processo, visando a realização de um leilão na B3, em São Paulo. Este estudo incluirá novos investimentos na ferrovia e no terminal da empresa em Cascavel, modernizando as estruturas existentes. O processo, que deve durar até 18 meses, também avaliará o valor da empresa e fornecerá dados para apresentações a investidores e a construção do edital.
Um dos principais ativos da Ferroeste é a concessão da ferrovia entre Guarapuava e Dourados, no Mato Grosso do Sul, válida por aproximadamente 60 anos (com possibilidade de prorrogação por mais 90 anos, iniciada em 1998). O trecho entre Cascavel e Dourados ainda não foi construído, mas a desestatização permitirá ao novo controlador explorar essa possibilidade.
A concessão também permitirá a exploração de outros ramais ferroviários, conforme as regras da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). A Ferroeste já possui autorizações para explorar os ramais Guarapuava-Paranaguá, Cascavel-Foz do Iguaçu, Cascavel-Chapecó e Maracaju-Dourados.
Outro ativo relevante é o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da ampliação do Terminal Multimodal no Oeste. Realizado pela Paraná Projetos e entregue à Ferroeste este ano, o estudo propõe modernizações como pavimentação do pátio, sinalização, iluminação, controle de acesso, construção de espaço público para caminhoneiros e melhorias estruturais para atender cooperativas e produtores que exportam via Paranaguá.
FERROESTE E O SETOR – A Ferroeste transportou 1 milhão de toneladas entre Cascavel e Guarapuava em 2023 com destino ao Porto de Paranaguá e ao Exterior e vice-versa, no sentido importação. Os principais produtos escoados foram soja e proteína animal e os importados vão de insumos agrícolas, adubos e fertilizantes a cimento e combustíveis. A pauta de exportação representa 80% da movimentação.
O modal ferroviário é fundamental para o setor produtivo do Oeste, o mais distante do Litoral, porque garante transporte de carga de maneira mais rápida e barata. No entanto, a operação da Ferroeste não é sustentável sem que o Estado disponibilize, há vários anos, recursos para cobrir os déficits, ainda que desde 2019 a empresa tenha registrado lucros operacionais. O prejuízo acumulado, de acordo com as demonstrações financeiras, era de R$ 172 milhões em dezembro do ano passado, cenário que limita os investimentos necessários para a modernização.
São 30,6 mil quilômetros de ferrovias concedidas pelo governo federal no Brasil atualmente, sendo cerca de 20 mil quilômetros ativos. Para fazer frente ao aumento da cobertura do serviço, os investimentos sugeridos no Plano Nacional de Logística 2035 giram em torno de R$ 168 bilhões, muito aquém da capacidade da União ou qualquer ente federado.
Além desses fatores, há uma reorganização geral do setor de transporte ferroviário desde o Marco Legal das Ferrovias, em 2021, que vem ressoando no setor e apresenta uma gama de oportunidades, principalmente para o setor privado, que tem velocidade de investimento mais rápido do que o setor público. A nova legislação permite que os investidores interessados tenham acesso ao mercado mediante autorização de prestação do serviço e aceita que as operadoras ferroviárias se reúnam para autorregular a prestação do serviço, incrementando a competição no setor.
No Paraná, há grande necessidade de movimentação de cargas por intermédio dos modais terrestres porque envolvem elevados volumes, sejam de granéis sólidos, granéis líquidos ou mesmo cargas gerais – conteinerizados ou não. O agronegócio tem papel fundamental na economia do Estado, especialmente na comercialização, interna e externa, de produtos como soja, milho, açúcar e seus derivados; criação e beneficiamento de frangos, suínos e bovinos; e na cadeia de industrialização de outros produtos, como papel/celulose, madeira, cimento, calcário e fertilizantes.
Na outra ponta, a Portos do Paraná, que bateu recorde de movimentação em 2023, com mais de 65 milhões de toneladas, também se prepara para o aumento do transporte pelo modal, principalmente com a construção do Moegão, novo sistema que vai centralizar as descargas dos trens que chegam ao porto, permitindo o descarregamento simultâneo de até 180 vagões, em três linhas independentes. O investimento é de R$ 542 milhões.
HISTÓRICO – A Ferroeste foi concebida como empresa privada com foco no transporte de grãos agrícolas e insumos para plantio em 1988 e assumiu, por meio do Decreto 96.913, a outorga de concessão para construção e exploração de ferrovia de Guarapuava até Cascavel, dentro dos limites do Paraná, se estendendo à região de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Posteriormente ela foi transformada em sociedade de economia mista.
As obras de construção da ferrovia duraram alguns anos e em apenas em 1996 a empresa foi autorizada a iniciar o transporte no trecho ferroviário. Em dezembro daquele ano, dois dias antes da abertura definitiva do tráfego, o Governo do Estado alienou o controle da empresa e foi criada a Ferrovia Paraná S/A – Ferropar, mas em pouco tempo a Ferroeste foi reestatizada.
Desde que ela foi criada existe a intenção de construir a ferrovia ligando o Paraná ao Mato Grosso do Sul, mas até o momento a implantação desse projeto de importância estratégica ao desenvolvimento econômico estadual e nacional não ocorreu por ausência de capacidade de investimento, inexistindo indicativos de que a receita gerada atualmente pela companhia será suficiente. Essa limitação requer uma solução, sendo também uma potencial consequência positiva da desestatização.