A cada minuto, um brasileiro é obrigado a deixar sua residência, com desastres naturais sendo a principal causa desse deslocamento forçado. Essa questão humanitária, de extrema urgência, lança luz sobre a migração interna no país. Desde o ano 2000, ao menos 7,72 milhões de brasileiros foram desalojados, sendo que mais de 6,4 milhões precisaram abandonar suas casas devido a desastres naturais. O evento mais recente foi a enchente no Rio Grande do Sul.
O aumento da migração interna no Brasil reflete um panorama global alarmante, onde se estima que até 2050, 1,2 bilhão de pessoas serão forçadas a se deslocar. Esses dados foram apresentados em uma audiência pública na Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) reunindo representantes do governo, sociedade civil e migrantes.
“A migração é uma realidade impactante em todo o Brasil e no Paraná, que recebe muitos migrantes e refugiados. Ignorar essa questão seria desumano. Precisamos aprender a acolher, a receber e a criar políticas públicas que garantam dignidade a essas pessoas, propondo novas ações e fortalecendo as já existentes”, afirmou o deputado Evandro Araújo (PSD), proponente do evento.
A deputada Cristina Silvestri (PSDB) também presidiu o debate e exaltou o perfil do Paraná como um estado acolhedor aos mais diversos povos.
A audiência coincide com a 39º Semana do Migrante e foi provocado pela Cáritas, confederação com cerca de 170 organizações humanitárias da Igreja Católica. A semana tem como tema: “Migração e Casa Comum” e lema: “Amplia o espaço da tua Tenda” (Is 54,2).
“Quando falamos das questões climáticas, não tratamos apenas do meio ambiente, mas também das vidas impactadas. Vão forçar o deslocamento de 1,2 bilhão de pessoas até 2050. Por isso precisamos acolher com dignidade, promover, integrar e proteger essas pessoas sob as mais diversas óticas”, afirmou a secretária-geral da Cáritas Brasileira Regional Sul 2, Márcia Ponce, citando relatório do Institute for Economics and Peace (IEP).
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas, Gilberto Antônio de Souza Filho, também tratou do impacto das mudanças climáticas na migração forçada. “É um assunto importante para se debater e buscar dados para entender esse movimento, pois pensamos primeiramente na migração global, mas temos cada vez mais uma migração interna”, ponderou.
Integrante do alto comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, Willian Laureano da Rosa alertou para o aumento no número de refugiados, que praticamente dobrou em uma década. “Em 2014 eram 59 milhões de pessoas forçadas a se deslocarem e, em 2024, estamos falando 120 milhões. Dessas, 73% são de apenas em cinco países: Afeganistão, Síria, Venezuela, Ucrânia e Sudão do Sul. Uma situação bastante grave, onde uma em cada 69 pessoas são forçadas a se desalocar no cenário global. Preocupação crescente especialmente pelas questões climáticas”, explanou, em participação online.
Assistente de Projetos de integração socioeconômica da Organização Internacional para os Migrantes (OIM), Eduardo Sucre, afirmou que “a migração é inevitável e as pessoas se deslocam, seja por fome, conflitos, guerras ou desastres ambientais.”
Paraná
Segundo o delegado Regional Executivo da Polícia Federal, Júlio Rodolfo Kummer, o Paraná é um estado de referência, tendo Curitiba como a quarta cidade que mais recebe imigrantes no país, atrás apenas de São Paulo, Roraima e Pacaraima. Além disso, Foz do Iguaçu e Cascavel estão entre as 15 cidades no país neste quesito.
Diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJU), Rodolfo Moser, ressaltou a necessidade de haver um processo de qualificação da mão-de-obra dessa população e que também sejam melhor capacitados na língua portuguesa. Além de um esforço para auxiliar na empregabilidade dessas pessoas.
Chefe da Delegacia dos Migrantes da Polícia Federal, Silvia Cenzollo Peloi, reconheceu o desequilíbrio entre as exigências legais para atendimento e as necessidades humanitárias.
O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Sul 2), padre Valdecir Badzinski citou o Papa Francisco e a defesa de que todos são irmãos. “Assim, devemos cuidar, proteger, amparar e dar segurança ao migrante como sociedade, como Igreja Católica e como Estado brasileiro. Esta audiência tem uma importância nobre diante desta pauta que estamos a desenvolver para aguçar e ampliar aquilo que já fazemos. Nossa Constituição federal ancora, ampara, designa, mas às vezes a ação fica adormecida na nossa prática”, comentou. Também participou da Audiência o assessor do Serviço dos Migrantes do Paraná, padre e pesquisador Sales da Conceição Nogueira.
Encaminhamentos
Diante dos pontos debatidos, o promotor de Justiça do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Rafael Osvaldo Machado Moura, reconheceu que há um déficit legislativo.
“Ao contrário de outros estados, no Paraná não há uma legislação que regulamenta o artigo 37 da Constituição, que permite a contratação de estrangeiros e por consequência, de imigrantes e refugiados, por parte do poder público estadual. Então, já adianto que nós do MP vamos encaminhar um ofício com essa solicitação e argumentação jurídica”, afirmou. Outra sugestão dele é formatação de um guia prático considerando as dificuldades encontradas para facilitar o atendimento dessa população.
Por fim, Moura elogiou a iniciativa. “Uma audiência que traz o compromisso ético do agente público, até porque especificamente esse debate não traz votos, pois não estamos falando de eleitores”, exaltou.
Dificuldades
No encontro, migrantes retrataram algumas dificuldades enfrentadas, que vão além do preconceito e xenofobia e impactam o cotidiano. A venezuelana Yaneth Garcia, assistente de integração local disse que a falta de documentação é um dos maiores entraves para o acesso a direitos, como trabalho, saúde e até para a formalização de um boletim de ocorrência.
A presidente da Associação das Mulheres Emigrantes Unidas, Clotild Mongogo, falou sobre o racismo estrutural especialmente relacionadas às mulheres negras. Já a congolesa Rosy Kamayi defendeu a importância de ocupar espaços de participação.