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sábado, dezembro 21, 2024
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“É a religião, idiota”: Eis o tempo presente

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* Aroldo M.G. Haygert

Por vezes, parafrasear é a melhor solução para traduzir realidades e fazer certas digressões.

Eu a uso agora para me socorrer à expressão “É a economia, idiota”, na tentativa de passar ao leitor, e aos especialistas no estudo do fenômeno religioso, o que está acontecendo no Brasil – e em poucas linhas, em torno de um “mito” chamado Bolsonaro.

Isso sem nada a ver com minhas preferências que ficaram em primeiro turno com Simone Tebet. Ela seria ideal para o Brasil de hoje. E eu nem vou ao segundo turno.

Dito isso, e com as devidas ressalvas, quero lembrar que a ampliação do mundo religioso, a partir do século 20, desmentiu todas as previsões de gente como o historiador inglês Toynbee. Ele profetizou, na metade do século 20, que o mundo estaria marchando para o ateísmo. Errou redondamente, ao mesmo tempo em que um luminar das ciências médicas, Francis Collins– parte essencial na decodificação do genoma humano – iria mostrar no final do século passado, no sequenciamento do DNA,  nos Estados Unidos, o “DNA de Deus”.

A despeito de muitas digressões que possam caber no exame do fenômeno religioso, uma verdade parece prevalecer sempre no embate entre deístas e ateístas: a sede do ser humano pelo sagrado é muito forte. Antes do Homo sapiens, ela já alimentava povos de África e Austrália. Poliforme, num mundo polifacetado e sedimentado por muitas culturas. Um bom exemplo está no Brasil, onde Aparecida é mais que uma “santa”. É parte da alma de um punhado de brasileiros, muitos deles anawins bíblicos (pobres absolutos).

E essa expressão religiosa, por vezes, acaba sendo interpretada como idolatria. Embora o católico bem formado saiba diferenciar as coisas: Maria merece veneração ou hiperdulia, como nos ensinava na metade do século 20 padre Julio Maria, francês que fundou a primeira congregação católica com reconhecimento da Santa Sé.

DOM DA PREVISÃO

Pois o “mito Bolsonaro”, inteligentíssimo – goste-se ou não dele – nasceu dotado do que poder-se-ia qualificar do “dom da previsão”. O atual presidente nunca achou interessante deixar de se identificar católico, embora sua prática, que muito lhe rende, seja de um evangélico, mais na linha neopentecostal. Não carrega, no entanto, os traços de uma das igrejas bem brasileiras, nascida em Siqueira Campos, a Congregação Cristã do Brasil, que talvez nem conheça. Essa denominação nasce pela obra de ítalos-americanos, capitaneada por Franciscone. Seus membros não podem envolver-se em política partidária. Sua membresia é mais da baixa renda.

Bolsonaro, misto de sociólogo amador, muito destemperado no expressar-se, foi conquistando um público (seriam 30 milhões de famintos?) sem pai nem mãe. Nisso replicou o que Getúlio Vargas fizera, dos anos 1930 até 1954. É Um toque, já escrevi, do queremismo, tão propagado por nomes icônico do século 20, como Chico Alves (“Bota o retrato do Velho, velhinho… que o retrato o Velhinho faz a gente trabalhar”).

TIRANDO O CHAPÉU

Tiro o chapéu para a sensibilidade política que esse homem colocou em suas pretensões. Nem a falecida Teologia da Libertação, de Leonardo Boff e Gutierrez (e com participação ampla do paranaense Gernote Kirinus), conseguiu captar essa busca por acolhida de um povo sem amparos materiais e espirituais, a partir de um catolicismo que tentou voltar-se mais para os pobres, mas acabou mesmo por entregá-los aos pentecostais e neopentecostais. Isso, diga-se, sem muita participação dos protestantes históricos, como metodistas, presbiterianos, anglicanos-episcopais…

Os “crentes dominaram a massa “deserdada” de um catolicismo que não mais tem possibilidades logísticas para enfrentar a cidade vertical. E as cidades são o alvo primeiro do presidente. Ele sabe que os alertas da velha definição do pentecostalismo dados pela socióloga Beatriz Muniz Souza, no começo dos 1960, estava certa: a massa que passou a se acotovelar nas periferias pobres da cidade grande foi impondo novos
referenciais de acolhida e fraternidade.

Elas replicam, de certa forma, o espírito de Unidade que tinham no campo. E assim foi se despojando de seus santos, suas tradições e suas rezas por um pentecostalismo que logo mostrou sua força política. Hoje é uma das frentes mais poderosas no Congresso Nacional. Mas mais que lamentar o avanço pentecostal, boa parte da Igreja Católica tenta algumas reações. A mais forte delas, acredito, veio dos Estados Unidos, lá pelos anos 1960, com um catolicismo pentecostal. Deu frutos? Não, não para deter a onda pentecostal, que veio para ficar. E cresce muito no mundo inteiro.

Cá de meu observatório, acredito que o catolicismo romano vai se instalando no Oriente. Especiais interesse em Coreia do Sul e Índia (aqui no Paraná, já há paróquias comandadas por padres indianos). A hierarquia católica sabe bem que acabou o tempo de “Roma locuta, causa finita (“Roma falou, está falado”). Hoje não prevalece dogma de infalibilidade papal. Talvez até por isso papa do porte de Francisco consiga se manter coerente com a nova era que ele inaugurou: a de uma igreja que seja cada vez mais universal, e muito com os pés no chão, proposta que inclui um ecumenismo muito maior do que aquele do Vaticano II. Entre os novos cardeais, ele nomeou um do Oriente, para uma igreja particular de 100 mil fiéis…

Não nos esqueçamos que a Santa Sé opera milagres, como o de apoiar avanços científicos, ao mesmo tempo que não se opõe aos pátios de milagres instalados, como o Bom Jesus da Lapa, um dos mais fortes exemplos de religiosidade popular.

Enfim, Roma está falando em novos tons com esse papa cujo o carisma remove montanhas. E conquista massas até agora contrária à Igreja. E mais: na hora certa, ela “converte” manifestações para devoções que atraem milhões, como as votadas ao “Padim” Cícero, no Nordeste. Nordeste, espaço de resistência de Roma, que lá instalou em terra firme o “Roma Locuta”.

* Aroldo M.G. Haygert é jornalista

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