No dia 25 de março de 2022, há 100 anos, um grupo de nove trabalhadores, reunidos em um congresso de três dias nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, fundava o PCdoB (Partido Comunista do Brasil), como seção brasileira da Internacional Comunista. Esses trabalhadores representavam 73 comunistas dispersos pelo país. A delegação foi liderada pelo jornalista, dissidente do anarquismo, Astrojildo Pereira, o primeiro grande expoente do PCB (sigla utilizada na época). O surgimento bastante modesto do partido não impediu que a polícia ameaçasse o evento e levasse os nove comunistas a realizarem o último dia do congresso em Niterói.
Esse fato envolvendo o nascimento do Partido Comunista do Brasil iria assombrar a maior parte de sua trajetória. Dos cem anos de existência, a legenda amargou 61 na ilegalidade, atuando em conflito permanente com as forças policiais e militares de diversos governos. O partido enfrentou a truculência da República Velha, época na qual as manifestações populares já eram tratadas como “casos de polícia”. Enfrentou a repressão do Estado Novo de Getúlio Vargas, período em que combateu heroicamente a ascensão do nazifascismo no Brasil, representado pelos integralistas – ou, como ficaram conhecidos após a Batalha da Praça da Sé, os “galinhas verdes”. Após um curto período na legalidade a partir de 1945, teve seu registro cancelado pelo TSE em 1947 e os mandatos de um senador, 14 deputados federais, 46 estaduais e mais um tanto de vereadores, eleitos de forma legítima pelo voto popular, foram cassados no ano seguinte pelo Governo Dutra – dentro de uma pretensa democracia liberal. E no auge da violência do Estado brasileiro, patrocinada pela burguesia nacional e internacional, como de praxe, o partido enfrentou seu inimigo mais hediondo: a Ditadura Militar (1964-1985).
Em 18 fevereiro de 1962, no bojo de uma grande cisão no movimento comunista internacional, um grupo de dirigentes e militantes, indignados com as alterações estatutárias e programáticas feitas pela cúpula do PCB, sem respaldo nas deliberações do último congresso, decidiu reorganizar o Partido Comunista do Brasil sob uma nova sigla: PCdoB, mas preservando seu nome original e a linha política revolucionária do marxismo-leninismo. A antiga sigla PCB, na esteira das mudanças revisionistas, passou a se chamar Partido Comunista Brasileiro, e assim se deu a primeira divisão do partido fundado em 1922.
Renovado e velho ao mesmo tempo, o PCdoB buscou se reconstruir na luta política e social depois de 1962. Porém, não tardou a cair sobre o partido a repressão assassina do Regime Militar. O PCdoB foi a legenda que sofreu o maior número baixas durante a Ditadura. Só na Guerrilha do Araguaia, organizada entre 1969 e 1974, tombaram mortos ao final 76 militantes e dirigentes comunistas, homens e mulheres, entre eles, a maior liderança do partido na época: Maurício Grabois. Anos depois, a direção do PCdoB sofreu outro duro golpe: a Chacina da Lapa, em 1976, quando três dirigentes foram assassinados durante uma reunião e outros quatro foram presos e torturados. O partido passou assim por mais um complicado processo de reestruturação, que só foi bem-sucedido graças à incorporação dos militantes da Ação Popular Marxista-Leninista. Tempos mais tarde, antigos membros do Movimento Revolucionário 08 de Outubro (MR-8), fundadores do Partido Pátria Livre (PPL) em 2009, também viriam a se juntar ao PCdoB.
Mas nem só de prisões, tortura, exílio e vidas perdidas se fez a história do Partido Comunista do Brasil. O PCdoB esteve na vanguarda dos movimentos que levaram às maiores vitórias do povo brasileiro. Amparado em décadas de lutas populares, elaborou uma plataforma avançada de direitos sociais e trabalhistas que acabaram, em grande parte, sendo incorporados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 e à Constituição de 1946, sem mencionar suas contribuições à conquista de liberdades democráticas e à luta pela reforma agrária. Participou ativamente das campanhas pela soberania do país sobre suas riquezas minerais e o progresso pautado no nacional-desenvolvimentismo, que culminaram na fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (1941), da Vale do Rio Doce (1942) e da Petrobrás (1953).
Já em 1975, um documento do partido exortava à unidade da oposição contra a Ditadura Militar, em torno de três propostas que foram se concretizando nos anos seguintes: anistia ampla, geral e irrestrita aos presos e exilados políticos (1979); revogação dos atos e leis de exceção do regime e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (1987). Em 1983, esteve entre os protagonistas da campanha pelas “Diretas Já!” e conquistou, em 1985, a legalização da legenda, inaugurando o maior período de legalidade do PCdoB até então, que se estende aos dias atuais. Trabalhou intensamente com outras forças políticas, através de seus deputados constituintes, para que a Constituição de 1988 atendesse aos interesses e necessidades mínimas do povo brasileiro. Coligado na Frente Brasil Popular em 1989, com PT e PSB, passou a engajar-se nas campanhas à Presidência da República de Luiz Inácio Lula da Silva, até a vitoriosa eleição de 2002, que inaugurou um novo período de governo trabalhista na história do Brasil, ao lado dos últimos anos da Era Vargas e do breve mandato de João Goulart. O PCdoB combateu resolutamente o avanço do golpismo das elites, que se infiltra nas Jornadas de Junho de 2013, passa pelo golpe parlamentar contra Dilma Rousseff e desemboca na eleição do governo neofascista de Jair Bolsonaro em 2018, cuja derrota é o desafio mais urgente da atualidade.
Como se percebe, no decorrer de cem anos, o Partido Comunista do Brasil precisou relegar a luta revolucionária pelo socialismo, fase inferior do comunismo, para o segundo plano. A longa tradição de golpes, intervenções e ditaduras na história do Brasil e de toda a América Latina, fruto de uma herança colonial e escravocrata, sufocou precocemente qualquer tendência de ascensão dos trabalhadores e das massas ao poder. Isso resultou em um desenvolvimento nacional dependente, subserviente e claudicante. Por ironia, devemos grande parte dos vícios da nossa cultura governamental a potências estrangeiras “liberais” e “democráticas”, de ontem e de hoje (Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos). Portanto, a grande batalha do PCdoB tem sido pela soberania nacional, pelo progresso social e por uma democracia popular de verdade, com vistas a um futuro socialista, num país onde o autoritarismo das classes dominantes é atávico. A luta do partido sempre se deu nas ruas e nas instituições, sem medo, em ligação íntima com o proletariado e as massas.
Dá orgulho fazer parte do Partido Comunista do Brasil. Por nossas fileiras passaram gente de peso como Astrojildo Pereira, Octávio Brandão, Minervino de Oliveira, Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella, Laudelina de Campos Melo, Maurício Grabois, João Amazonas, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Patrícia Galvão (Pagu), Oscar Niemeyer, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Clóvis Moura, Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Elza Monnerat, Osvaldão, Aldo Arantes, Renato Rabelo, Haroldo Lima etc. Muitos deles perderam sua paz ou derramaram sangue pelo Brasil, uma constelação de heróis e heroínas da pátria. O PCdoB conta hoje com grandes nomes da política nacional, como Luciana Santos, Orlando Silva, Jandira Feghali e Manuela D’Ávila e muitos outros de destaque na intelectualidade, nos movimentos sociais e nas artes.
Sempre fiel ao lema de João Amazonas: “A unidade é a bandeira da esperança”, o partido foi arquiteto da fundação de inúmeras entidades de massa, algumas ainda em atividade: Bloco Operário e Camponês (BOC), Aliança Nacional Libertadora (ANL), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União da Juventude Socialista (UJS), União Brasileira de Mulheres (UBM), União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (Unalgbt), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) etc.
No decurso da sua história, o Partido Comunista do Brasil permanece convicto da necessidade do socialismo, nos marcos da doutrina marxista-leninista, sem perder de vista a marcha para o comunismo. O capitalismo, desde sua etapa mercantilista, existe há cerca de quinhentos anos e já demonstrou, de todas as formas possíveis, que é incapaz de resolver suas contradições essenciais. Crises constantes e periódicas, desemprego, fome e miséria para a maior parte da população mundial, superexploração da classe trabalhadora, concentração da “riqueza das nações” em poucos países e pessoas, consumismo desenfreado, destruição do meio ambiente e a aberração do nazifascismo são doenças congênitas da sociedade burguesa. No capitalismo, a riqueza da minoria depende da pobreza da maioria.
O socialismo, em contrapartida, viveu sua primeira grande experiência a partir da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia e deixou um imenso legado de planejamento estatal, direitos humanos, sociais e trabalhistas, que inspirou e continua inspirando dezenas de países ao redor do mundo. Parte da legislação brasileira é fruto desses avanços civilizatórios. Por isso, declaramos: o socialismo ainda vive sua infância e persiste de maneira promissora nas experiências de China, Cuba e Vietnã. Nações sob o cerco permanente das guerras híbridas (econômicas, sociais, culturais e militares), travadas pelas potências imperialistas contra a prosperidade comum dos povos. Acreditamos, como Rosa Luxemburgo, parafraseando Engels, que a escolha é simples: “socialismo ou barbárie”.
Por esses e tantos outros motivos, confiantes no presente e no futuro, exclamamos de peito aberto: viva os 100 anos do Partido Comunista do Brasil!
Comitê de Maringá-PR
Partido Comunista do Brasil
PCdoB: cem anos de coragem e amor pelo Brasil, rumo ao socialismo!
Fontes principais
PCdoB: um século de lutas em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo. Disponível em https://pcdob.org.br/…/Um-se%CC%81culo-de-lutas-PcdoB…
PCdoB. Imagens da centenária história de lutas do Partido Comunista do Brasil (1922-2022). Disponível em https://issuu.com/fmg2022/docs/imagenspcdob100anos
Altair Freitas. Cabra marcado pra morrer: as “mortes” do Partido Comunista do Brasil. Disponível em https://pcdob.org.br/…/cabra-marcado-pra-morrer-as…/