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sábado, dezembro 21, 2024
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A Dotti o que é de Dotti

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O jornalista Aroldo Murá conta que passou bom tempo examinando a edição da revista Bonijuris dedicada a René Ariel Dotti, a perda sem reposição que o Brasil teve neste 2021. A publicação não me surpreendeu pela exemplar qualidade editorial, de que Luiz Fernando de Queiroz – advogado, empresário e também jornalista formado em tempos exigentes de outrora – é seu editor. Tem como editora auxiliar Olga Maria Krieger. Marcos Vinicius Gomes é o Editor Convidado. O que me impressionou foi ter a Bonijuris captado, em poucas semanas, a sequência de manifestações de notáveis do Direito, todos registrando ilimitada admiração e acatamento ao jurista que o mundo do Direito vota. Foi um tributo oportuno e na hora certa, confirmador de bases sólidas que montaram a genialidade de Dotti.

Os texto são quase síntese de uma veneração explícita de homens e mulheres exponenciais na vida do país. Cada linha em torno do jurista está marcada por alguma expressão pedagógica registrada um dia por Dotti. Suas lições sapienciais – é o que se entende – ficaram e dão frutos em milhares de juristas, advogados, juízes, ministros, homens públicos afetados pelo didatismo e a ciência jurídica proclamada por Dotti na academia, nos tribunais, nos meios de comunicação, na farta bibliografia que legou.

Reconheço que Luiz Fernando de Queiroz evitou que a edição especial tivesse as marcas do panegírico, do hagiográfico. E o resultado não poderia ter sido mais precioso do ponto de vista documental: ajuda a entender o cidadão, o professor, o advogado, o jurista, o homem de espírito refinado que eu, recordo bem, vi nascer no final dois 1950, ele fazendo uma coluna diária de teatro no Diário do Paraná, escola de jornalismo em que fiquei por anos, e Dotti, um pouco menos.

Dotti, naqueles dias, tinha, entre companhias constantes, Eduardo Rocha Virmond, ex-presidente da OAB-PR, crítico de artes plásticas e de música, e o já antológico Luiz Geraldo Mazza. Isso sem mencionar a figura inesquecível de Benjamin Steiner, o artista gráfico argentino que para cá viera para implantar a diagramação no Diário do Paraná. Foi o primeiro jornal diagramado do estado.

 PALAVRAS DE ARY

Precioso é o texto de Ary Fontoura, o ator que o Brasil conhece e aplaude. Ele escreveu garantindo que “René Dotti deixou o teatro, mas o teatro nunca o deixou”. Na mocidade, ainda no colegial, Dotti começou a trajetória de ator, muito incentivado por Ary. A mim, um dia, Dotti me confessou grande admiração por diversas peças, como as de Tenessee |Williams, e “Seu nome era Joana”, de Eddy Antonio Franciosi, de cujas encenação participou.

Na verdade, conhecia teatro de cor e salteado, com olhar muito focado em Cacilda e Paulo Autran, conforme ouvi deles diversas vezes. Essa veneração que a revista expõe ao jurista/professor, ao homem de espírito, é mesclada com o acatamento intelectual a quem, sem exageros, foi quase sempre o mestre cuja lógica dava o arremate final do “magister dixit” em todas as instâncias da Justiça.

Afinal, não fora ele co-autor de certos códigos que regem o Direito brasileiro? Não fora o regente afinadíssimo do Direto Criminal, para quem as penas a criminosos não poderiam transformar-se em outro crime, como os praticados pelas “sucursais do inferno”, o sistema prisional brasileiro? Beccaria era uma das mais claras devoções particulares do criminalista e humanista Dotti, o que ajuda, pois, a melhor dimensionar parte do raro curitibano cuja morte lamentamos.

O que fica bem claro enquanto vou absorvendo manifestações como as dos ministros Edson Fachin e Marco Aurélio Mello constantes da revista Bonijuris, é que há uma realidade contínua e definidora da essência do jurista: foi um dos mais sólidos lutadores pelo estado democrático sob o qual vivemos. A expressão é autoexplicativa. Ponto.

RÉGUA DO PROFESSOR

A Democracia como imperativo civilizador foi, pois, a régua com que o advogado e professor , filho de um pintor de paredes e de uma mãe costureira, sempre mediu o índice de desenvolvimento humano de uma Nação. Nisso todos concordam. Isso é uníssono quando se talha o perfil do ex-ator de teatro, a expressão artística que nunca saiu do ethos de Dotti. Era o seu “pneuma” sustentador. A tal ponto de manter em casa um palco.

O pregoeiro de uma democracia plena, sem adjetivos ou tergiversações léxicas, fez com ele proferisse uma espécie de voto de fidelidade a ela. Jamais a abandonaria. Tal como os monges de certas ordens católicas fazem o voto de estabilidade: juram jamais deixar a casa que os acolheu para o ministério sagrado.  E assim se comportou, um profundo devoto da Democracia que não precisa de adjetivos.

Nos seus embates pelas liberdades democráticas, Dotti foi voz forte a defender em todas as instâncias da Justiça Militar, ao grupo de jornalistas que havia sido indiciado por “atos subversivos”. Longa batalha contra as rígidas medidas do estado sob tutela militar. Defendeu outros tantos profissionais cujo “crime” teria sido apenas o exercitar o direito à livre manifestação. Mas que a olhos autoritários eram criminosos. No caso dos jornalistas, foi até o STM e conseguiu que a inocência dos jornalistas fosse reconhecida. A foto do causídico, inflamado, falando na Justiça Militar, é um momento histórico presente na edição da Bonijuris.

JORNAL “NICOLAU”

Essa qualificação, defensor da democracia, está objetivamente sintetizada no artigo que sobre Dotti a pena do ministro Marco Aurélio Mello registra. É o mesmo tônus que vou encontrando nos outros depoimentos, como o do amigo que o acompanhou a vida toda, Miguel Reale Junior, e do professor Ives Gandra Martins. Clèmerson Merlin Clève, constitucionalista de amplo acatamento (três dos hoje 11 ministros do STF o tiveram como examinador em bancas de doutorado) não deixa por menos.

Chama Dotti de “mestre dos |Mestres”, confessando, ao mesmo tempo, a enorme admiração que nutriu sempre pelo jurista, de quem não foi aluno, mas colega no magistério da Faculdade de Direito da UFPR: “Era um intelectual público completo: erudito, sensível aos imperativos do tempo e do espaço, firme nas convicções democráticas e humanistas”.  Impossível o leitor não se sentir compelido a examinar todo o volume dessa edição histórica.

Num feliz diapasão, como se houvesse combinação prévia, todos vão destacando muito mais do que o óbvio. Mostram, por exemplo, o homem de espírito. Mostram o Dotti que deu nova vida à então Secretaria da Cultura, valorizando não apenas a “intelligentsia” local, mas ampliando a comunicação da cultura paranaense com o país em tempos pré-redes sociais. Foi quando entregou ao Brasil um jornal mensal único, Nicolau, editado pela criatividade sem fim do escritor Wilson Bueno. O país devolveu a Dotti o oportuno presente, premiando a obra de comunicação, em certames nacionais.

Com o Nicolau, acredito que Dotti estava “obedecendo” à sugestão de Voltaire – “semeie um grão que um dia poderá produzir uma colheita”. Esta expressão foi citada por Edson Fachin, ministro do STF, na revista Bonijuris, para explicar a capacidade multiplicadora de Dotti, na academia, nos tribunais, na vida cultural do Paraná.

ADVOCACIA ARTESANAL

Os depoimentos se sucedem na qualidade e no testemunhal de homens e mulheres que conviveram com o professor René Ariel Dotti. Poderia destacar outros, mas pinço algumas expressões do ex-presidente do Instituto dos Advogados do Paraná, e presidente do Colégio de Presidentes de Institutos de Advogados do Brasil, o professor de Direito do Trabalho da PUCPR, Hélio Coelho Junior, que assina “Um breve diálogo imaginário”.

O ex-aluno de Dotti e também de Paulo Leminski, não esconde no texto bem articulado, preciso, com finesse, que fez por merecer ter tido tais patronos. Hélio Gomes Coelho Junior tem muitas lembranças daquele ser especial: E o descreve: “sem rodeios, uma lente de óculos sem muitos rigores.

A pontualidade – antes da hora e depois da hora? Não, senhoras e senhores – o trajar – terno, gravata e lenço em harmonia próprio a liturgia de uma aula; o expor esmerado – não ia ao tablado sem o prévio preparar; as avaliações rigorosas – forma e fundo eram corrigidos à exaustão; fidalgo, atencioso na exata distância e medida; e vaidoso na boa definição de Ernesto Sabato; ” vaidade é um elemento tão sutil da alma humana onde menos se espera: ao lado da bondade, da abnegação, da generosidade”. E mais o precioso momento do texto do professor Hélio grava: “René exerceu por mais de 60 anos, com bondade, abnegação e generosidade, a advocacia artesanal e a cátedra”.

DIREITO ELEITORAL

Oportuníssima é igualmente a presença do paranaense Luiz Fernando Casagrande Pereira, um dos referenciais brasileiro em Direito Eleitoral. No seu artigo, que ganha o leitor já a partir do título – “René Dotti não eram um, eram tantos”, Pereira amplia o inventário da obra de René Dotti, lembrando que por oito anos eles foi também juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.

E que, em 2005, o então presidente do TSE, ministro Carlos Veloso, montou uma comissão para rever e atualizar as disposições relativas aos crimes eleitorais . O único paranaense convidado foi René Dotti.

Enfim, não há como deixar de classificar a edição de Bonijuris como um precioso memorial em torno da obra de um paranaense que, na minha opinião, teve reconhecimento nacional no Direito, tão importante quanto Jaime Lerner, no Urbanismo, e Euclides Scalco no universo da Política. As anotações sobre a edição da revista Bonijuris têm necessariamente de incluir uma forma inovadora de destaque à obra desse às do Direito: o Glomb Advogados Associados concebeu um anúncio especial para a primeira contracapa. É “O homem que nunca parou”. E parafraseando o próprio mantra de Dotti, a mensagem de Glomb assinala: ” O professor nunca parou. Nem vai parar!”

COMO TUDO COMEÇOU

A edição da revista Bonijuris, sob o comando do incansável Luiz Fernando de Queiroz – batalhador silencioso em favor de grandes causas da sociedade -, gera, com certeza, ângulos nem sempre bem expostos sobre a história de antológicos advogados paranaenses. É o caso, por exemplo, do texto assinado por José Machado de Oliveira, sênior do Escritório Prolik, Heloisa Guarita de Souza e Fábio Zanetti de Oliveira.

Nesse mergulho do final dos anos 1950, o curitibano redescobre a importância de endereços como o do edifício Azulay, na Rua Dr.Muricy com Rua XV. Hoje o edifício pode até estar “fora de moda”, pois concebido numa época em que garagens não constavam das plantas arquitetônicas e nem se sonhava com a Internet. Mas é “histórico” ponto de partida de grandes bancas advocatícias, como a de Augusto Prolik, Hélio Narezi e do “deslanchar” de Dotti.

Foi lá que tudo começou, lembra José Machado de Oliveira e seu pessoal, num texto de caráter histórico, mas embalado por profunda carga emocional. Naquele edifício, no final dos 1950, René Dotti e Augusto Prolik se cruzaram, se apoiaram e se mudaram, por pura necessidade de “caminhar mais adiante” para o endereço da Rua Mal.Deodoro. Cada um ficou em no seu andar, mas guiados por metas idênticas em defesa de postulados comuns.

 A GRANDE ENTREVISTA

A revista apresenta uma grande entrevista concedida por Dotti a jornalistas e advogados. Faltou mencionar os entrevistadores, dada a importância histórica do evento. Essa entrevista me lembra aquela a que |Clèmerson Clève se refere na edição histórica sobre o jurista. Foi realizada em minha casa, em 2018, do qual ele participou, assim como Luiz Fernando de Queiroz, Lúcio Glomb, Fábio Campana. Esse encontro/entrevista foi montada com todo esmero para o meu projeto “Encontros do Araguaia”, um futuro livro de depoimentos de notáveis paranaenses de diversas áreas de atividades.

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