Ativistas, pacientes, profissionais da saúde, políticos, advogados, representantes de associações, empresários e especialistas do Brasil e do exterior participaram nesta quinta-feira (1º) da mesa de debates de abertura do Fórum Paranaense de Cannabis Medicinal – Saúde, Política e Mercado da Maconha no Brasil. O evento, em formato remoto, foi transmitido pela TV Assembleia e redes sociais por proposição do deputado Goura (PDT), autor do projeto de lei 962/2019, que assegura o acesso a medicamentos e produtos à base de canabidiol (CDB) e tetrahidrocanabinol (THC) para tratamento de doenças, síndromes de transtornos de saúde, e que em tramitação na Assembleia Legislativa do Paraná. A proposta aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça.
“A Cannabis tem que ser vista sem obscurantismo, sem negacionismo. Há muita ignorância em torno do tema. Estamos falando de vida e saúde”, afirmou o parlamentar.
O debate sobre o tema “Criminalização, usos e legislação da Cannabis no Brasil” teve como participantes a advogada Margarete Brito, coordenadora-executiva da APEPI, os deputados federais, Luciano Ducci (PSB/PR) e Paulo Teixeira (PT-SP), este relator e presidente da Comissão Especial do PL399/2015; Nathalia Oliveira, socióloga e coordenadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas; Augusto Vitale, sociólogo e ex-presidente do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis do Uruguai; e Sidarta Ribeiro, neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que foi o primeiro a falar.
Para ele, as múltiplas ações terapêuticas da Cannabis estão para a medicina do século 21 como os antibióticos estiveram para a medicina do século 20. Ele trabalha com pesquisas na área, apesar das dificuldades regulatórias, a que ele atribui a falta de avanços na pesquisa no Brasil. Em 2007, publicou o livro “Maconha, Cérebro e Saúde”.
“Como no Brasil o tema era visto com muito preconceito, na época, me senti até constrangido de divulgar. Até que em 2009, com a prisão de um músico por cultivar a planta para uso medicinal, nós divulgamos uma nota defendendo o uso para esse fim. Daí para frente a Cannabis Medicinal virou uma revolução”, declarou.
A Anvisa reconheceu em 2017 que a Cannabis pode ser usada para fins medicinais no Brasil. O problema é que, devido ao alto custo, ela é restrita às pessoas com melhores condições financeiras e às associações que se organizaram para terem esse acesso. “O que queremos é o acesso de pessoas de baixa renda. Que possam ter o direito de cultivo em casa. Existe uma série de mentiras espalhadas. E lembro que o tratamento é barato e eficaz. Pesquiso as substâncias presentes na Cannabis no combate à epilepsia. O mundo fez a revolução e o Brasil está atrasado, correndo atrás”, avaliou Sindarta.
Projeto de Lei (PL) 399/2015 – O projeto de lei 399/2015 em tramitação no Congresso Nacional regulamenta o plantio de maconha, denominada Cannabis Sativa, para fins medicinais e comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta. Ele foi aprovado no início de junho na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou o tema. Como a matéria tem caráter conclusivo, ela seguirá para o Senado, caso não haja a aprovação de um recurso de 51 deputados (10%) para que seja votada em plenário.
A proposta altera a Lei 11.343/06, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e que autorizou o plantio de vegetais como a Cannabis para fins científicos ou medicinais, em local e prazo determinados, mediante fiscalização.
Segundo o relator na Comissão Especial, o deputado paranaense Luciano Ducci, o projeto apenas regulamenta a legislação vigente e vai ajudar as famílias de pacientes que não responderam bem a outras terapias ou tiveram efeitos colaterais com medicamentos disponíveis no mercado. E foi além, “fizemos várias audiências públicas e visitas técnicas e conhecemos muitas histórias de pessoas que dependem da Cannabis Medicinal. Sabendo das dificuldades que temos no Brasil, decidimos autorizar, com aval da Anvisa, o uso por pessoas jurídicas. Também classificamos as substâncias psicoativas determinando um percentual e trabalhamos na questão da pesquisa, porque o Brasil talvez seja o país que mais tenha estudos no mundo sobre a Cannabis Medicinal. O uso na indústria também foi contemplado, porque o Brasil tem condições de disputar esse mercado, seja em cosméticos ou em celulose, por exemplo. Creio que temos maioria para aprovar esse projeto na Câmara”, ressaltou Ducci.
Estudos indicam que os derivados da planta podem ser utilizados no tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia. Além disso, há evidências conclusivas da eficácia dos canabinoides contra dores crônicas; e no tratamento de câncer, apresentando efeitos antitumoral e contra efeitos colaterais causados pela quimioterapia.
O deputado Paulo Teixeira falou sobre o andamento do projeto. “Entendemos que o tema é da sociedade brasileira, mas vimos que, em especial, as mulheres, mães, estão à frente nessa luta. “Os medicamentos são, em muitos casos, inacessíveis para as classes mais pobres. O projeto autoriza a importação para as pesquisas, para o cultivo, para uso medicinal e, ainda, para a produção de produtos industrializados. Que possamos mobilizar o maior número de deputados para aprovarmos essa proposta que vai beneficiar milhares de famílias brasileiras”.
A Apepi é uma associação de pacientes e familiares que estão nessa batalha. Eles fazem uso medicinal da Cannabis e lutam por mais pesquisa, informação e por um acesso mais democrático e justo a essa terapia. Margarete Brito, uma das coordenadoras,
compartilhou um vídeo com um pouco da história dela, mãe de Sophia portadora do Transtorno do Espectro Autista, com os participantes do Fórum. Em 2014, ela entrou na luta, já que faz uso medicinal da Cannabis no tratamento da filha e batalha pela desconstrução de mentiras e construção de essência sobre o tema.
“Associações como a APEPI arregaçaram as mangas e fizeram um trabalho que seria dever do Estado. Peço que as pessoas conheçam o trabalho das associações para entenderem a dimensão dele. Digo que o PL 399 não é o ideal, mas já representa um avanço e estamos mobilizados pela sua aprovação”, avalia.
A socióloga e coordenadora da Iniciativa Negra, Nathália Oliveira, atua com políticas sobre drogas. Lembrou que a Cannabis está muito relacionada à repressão e criminalização das drogas associadas aos negros das periferias e que o Estado atua muito mais nessas condutas que na prevenção. “Com esse conjunto de leis que excluem os negros e não garante a eles direitos, fica difícil combater o uso indiscriminado de drogas. A Lei Antidrogas chega, há 15 anos, em um momento em que as drogas estavam relacionadas ao crime organizado. O que contribuiu ainda mais para essa criminalização”, lamentou.
Experiência do Uruguai – O psicólogo e ex-presidente do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis no Uruguai, Augusto Vitale, disse que o país avançou muito no uso recreativo, onde teve a regulamentação aprovada em 2013, mas que ainda é necessário avançar no seu uso medicinal. “O Uruguai foi o primeiro país sul-americano a aprovar uma lei que permite o cultivo de maconha para autoconsumo recreativo, mas o uso para fins medicinais pela indústria não é possível, o que atrasa o seu uso”.
Programação – o Fórum conta com cinco mesas de debates e uma palestra magna: Efeitos da Descriminalização das Drogas em Portugal – que será ministrada pelo diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências de Portugal, João Goulão, o principal responsável pela descriminalização das drogas em Portugal.
Todas as mesas contarão com a mediação do deputado Goura, que é autor do projeto de lei PL 962/2019, que assegura o acesso a medicamentos e produtos à base de canabidiol (CDB) e tetrahidrocanabinol (THC) para tratamento de doenças, síndromes de transtornos de saúde. Os demais debates poderão ser acompanhados através das redes sociais do parlamentar.
Até tu Ducci