O Bairro Alto de Antonina, no Litoral do Paraná, também carrega a alcunha de Vale do Gigante. Distante mais de 30 quilômetros do Centro da cidade, ele guarda os pés do Pico Paraná, a montanha mais alta da Região Sul (1.877 metros de altura) e histórias que parecem realismo mágico.
O Vale do Gigante se consolidou como um dos principais atrativos turísticos do Litoral em 2017, depois de algumas consultorias da administração municipal e do Sebrae, e nos últimos dois anos vem ganhando mais protagonismo em decorrência da união dos empresários locais.
Em 2020 eles vão tirar do papel a Associação Pico do Paraná, que é uma tentativa dos moradores de estabelecer mais independência turística, uma rota de subida do Pico partindo de Antonina e uma programação anual de eventos. Os representantes desse coletivo pretendem desenvolver projetos em parceria com a Paraná Turismo, a prefeitura e o setor privado para garantir, inclusive, acessibilidade nas trilhas.
A região do Vale do Gigante concentra a maior parte do turismo de aventura do município. Há empresas especializadas em rafting, os espaços de festa em torno do Rio do Nunes – onde turistas e moradores saltam de cordas esticadas em árvores sobre as águas doces -, pousadas, restaurantes, parques aquáticos, casas com café colonial, os rios Cacatu e Cachoeira, a Vila da Copel e a Usina Parigot de Souza, maior central subterrânea do sul do País. O local também é apontado como reduto de onças-pintadas e de centenas de aves, trilhas e cachoeiras.
Uma das principais agitadoras desse movimento é Tânia Lopes, proprietária do Santuário Vale do Gigante, misto de pousada, restaurante e retiro espiritual no coração da Mata Atlântica. Ela organiza o principal festival do siri da cidade, que ocorre no mês de março, eventos com carrinhos de rolimã, caminhadas na natureza, corridas e encontros de remadores de caiaque.
“Somos um canto de paz, de aventura, de conexão com a natureza. Queremos atrair mais turistas e apresentar as belezas da Serra do Mar para todo o País, passando pelas trilhas que levam até o Pico Paraná e a necessidade de preservação ambiental. O turismo que estamos fomentando é de resgate da cultura local e de geração de emprego para a comunidade”, afirma.
Allana Cristina Araújo, responsável pela programação turística da prefeitura de Antonina, destaca que há articulação entre os setores privado e público em torno do Vale do Gigante. “Estamos tentando estimular esse movimento. É um lugar onde os empresários já se integraram para desenvolver o potencial turístico. Temos tentado formular políticas públicas específicas para esse local, com intuito de apresentar para o País, nos mesmos moldes do que se faz com o Pantanal, as riquezas da Mata Atlântica”, pontua.
SANTUÁRIO –Quem passa pelo Vale do Gigante tem a oportunidade de conhecer a história da Tânia Lopes e de sua devoção a todas as formas de amor – mas é preciso perguntar. Ela é uma ex-professora de educação física de Curitiba que largou a carreira para erguer um ponto de encontro no pé da Serra do Mar.
Tânia tem a propriedade há 25 anos, mas há pouco mais de um ano e meio desenvolve esse projeto que envolve hostel, restaurante, camping e retiro espiritual, de acordo com o perfil do visitante.
Partindo da pousada são duas trilhas em direção à cachoeira do Saci: a mística (meditativa, que é feita em silêncio, conta com a presença de um índio tupi-guarani e uma roda de diálogo sobre a vida em torno de uma fogueira) e a ecológica (para observação de aves, árvores, riachos e animais). Bob, o cão da casa, costuma ciceronear cada um que se hospeda no Santuário.
“Acredito que esse lugar é um portal de cura, um ponto de encontro de todas as religiões e de todas as etnias. Há um contato muito próximo com os elementos da natureza, mas principalmente com a tartaruga (mãe-terra ou fruto de sabedoria para algumas tribos) e o arco-íris (encontro de todas as cores). É um espaço também de meditação, de culto ao fogo, de geometria apontada para o sol”, explica a proprietária. “Montei esse espaço aos poucos como uma espécie de missão de vida”.
O nome Santuário, explica Tânia, é resultado de um encontro espiritual casado que teve com a Nossa Senhora Mística (católica) e com os índios tupi-guaranis que frequentaram a região e ainda se organizam em pequenas comunidades em Piraquara e Paranaguá. Ela frequenta tribos há mais de 15 anos, mas nunca abdicou da fé católica, e conseguiu unir as duas pontas a partir dessa visão da santa das três rosas (oração, sacrifício e penitência). “Onde ela vai, a terra é fértil de amor. Temos no santuário a força da ancestralidade”, acredita.
Para chegar nessa resposta, no entanto, Tânia consultou diversos padres para entender a sua visão. Numa dessas conversas ganhou de presente uma estátua de Nossa Senhora Mística que ficava no Santuário de Jambeiro, em São Paulo. Hoje ela fica em uma capela no pé do morro, com as portas voltadas para o sol.
“Tive toda essa visão e depois mostrei esse espaço a um pajé, que me contou que esse é um vale sagrado, um portal místico do País. A partir disso montamos esse conceito de reduto de desintoxicação, conexão com a natureza, de paz de espírito”, completa Tânia.
CACATU – Outro espaço que conta com muita história é o Cacatu, reduto da primeira colônia japonesa em território paranaense. Quem atende os visitantes é Marcia Ito Kikuti, simpática senhora que recebe hóspedes e turistas com calma oriental e, eventualmente, pratos com bambu.
A história do Cacatu (o nome, indígena, faz referência a um papagaio branco) é o berço da imigração japonesa do começo do século passado, numa era pós-guerra entre Japão e Rússia e de mais industrialização. As primeiras famílias chegaram no Porto de Antonina, subiram o rio de mesmo nome e compraram terras na região em 1917. Ao todo, foram 175 famílias.
O objetivo, à época, era de instalação não definitiva, tanto que as famílias apostaram em escolas de japonês para educar os filhos e incentivar o retorno. Eles plantavam arroz, cana-de-açúcar e legumes que eram vendidos no mercado municipal de Antonina.
As famílias prosperaram na região, mas os acontecimentos históricos não permitiram o regresso. Um decreto do ex-presidente Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial determinou que os imigrantes de países do Eixo deixassem a costa, apelidada de “faixa de segurança nacional”. Com isso, eles tiveram menos de 48 horas para reunir as mudanças e partir, e as famílias acabaram se espalhando por todo o País.
Atualmente o Cacatu é um santuário que homenageia essa imigração e que hospeda pessoas e os barcos de pescadores da redondeza. Isso porque Marcia Ito Kikuti também organiza passeios no rio Cacatu, que passa ao lado da casa/hotel.
“Eu visitei o Japão há alguns anos, estudei lá por um tempo, e o mais engraçado do Cacatu é que conseguimos manter boa parte de uma estrutura muito antiga da língua. O Japão se abriu comercialmente e se transformou nos últimos anos. Nós ainda falamos do jeito que aprendemos com os antepassados. O japonês do Cacatu é mais raiz do que o japonês do Japão”, afirma. “Foram anos muito difíceis para os imigrantes e aqui temos um ponto de encontro da história, um ponto que celebra aqueles que atravessaram o mundo para viver no Paraná”.
PICO PARANÁ – O Pico Paraná está presente em todas as fotografias do Vale do Gigante. Ele é o ponto mais alto do Sul e é formado por três cumes: o próprio Pico Paraná, União e Ibitirati. Do seu cume é possível dimensionar o tamanho da Serra do Mar, trechos do Litoral, de Curitiba e das demais cidades do primeiro planalto. A trilha parte de Campina Grande do Sul e geralmente envolve acampamento.
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Morretes também tem seu turismo rural
Morretes tem um histórico rural (chegou a ser um dos maiores exportadores de gengibre do mundo) e seus caminhos pelo interior. Um tour de pouco mais de 30 quilômetros nessas estradas reserva banhos de rio, travessia de carro no rio, cachoeira, trilha a pé e eventualmente um roteiro de bike – o primeiro roteiro certificado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) fica em Morretes.
O passeio completo precisa de um carro 4×4 e é feito pela Serra Verde Express, empresa que administra o trem entre Morretes e Curitiba. Já são seis caminhonetes destinadas a percorrer as belezas do interior da cidade.
“Morretes já foi uma cidade agrícola muito forte. Ainda se encontra produção de mandioca, maracujá, chuchu, e legumes e verduras que abastecem o Ceasa de Curitiba. Essa história é parte do passeio, que mostra a estação de captação da água no município e todo o Pico Marumbi ao fundo”, conta Tiago Choinski, gerente do escritório da Serra Verde Express em Morretes e diretor de projetos da Agência de Desenvolvimento do Turismo Sustentável do Litoral do Paraná.
O passeio começa no bairro Ponte Alta, onde há uma igreja de época e uma propriedade com criação de truta que em breve entrará no roteiro. Nos bairros América de Cima, América de Baixo, Pantanal e Cascatinha, em seguida, há casa com criação de répteis, espaço de yoga, tanques para pesca, canchas de bocha, campos de futebol, condomínios de chácaras, uma ponte pênsil e muitos riachos. A parada para banho costuma acontecer na ponte do Rio Marumbi. A visitação se encerra com o carro dentro d’água no Rio do Pinto.
O Pico Marumbi é cenário de todo o passeio. Atualmente são duas opções de subida e a mais prática é justamente saindo de Morretes. O pico é considerado o berço de montanhismo no País, com registros desde 1879. Os oito cumes que formam a cadeia de montanhas são Abrolhos, Esfinge, Ponta do Tigre, Torre de Sinos, Gigante, Olimpo, Boa Vista e Facãozinho. O ponto mais alto (1.539 metros) é o Olimpo, cujo nome homenageia seu conquistador, Joaquim Olímpio de Miranda.
EKOA PARK – Morretes ainda conta com o Ekoa Park, paraíso ecológico dentro da maior área contínua remanescente de Mata Atlântica. É uma área privada destinada ao lazer, entretenimento, educação ambiental e desenvolvimento profissional. O parque conta com arvorismo, trilhas (a Peabiru, que ligou o Brasil ao Peru, e uma até a torre de observação de pássaros), voo de balão, tirolesa de 160 metros e um túnel sensorial no meio da mata.