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quarta-feira, dezembro 25, 2024
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InícioPolítica ParanáOs Pomos de ouro do Jardim das Hespérides

Os Pomos de ouro do Jardim das Hespérides

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Finalmente os Doze Trabalhos de Hércules chegam a seu penúltimo capítulo: Os Pomos de ouro do Jardim das Hespérides. A tradução é do poeta curitibano Sérgio Viralobos, este que é, sem dúvida, um dos trabalhos mais bacanas do ano.

Antes que tudo se formasse,
A Terra, o Mar e o Céu
A natureza tinha uma única face
E Caos era o seu nome.

Um amontoado de matéria em conflito:
O sólido encrencando com o gasoso,
Frio versus calor, feio contra bonito,
Tudo misturado num caldo ralo.

Mas não mais que de repente
Surgiu uma deusa desse nada:
Gaia, a Terra que abriga a gente,
Flutuando azul no centro do Universo.

Suas curvas generosas geraram grutas,
Colinas, vales, planaltos, picos, planícies,
Mas não se satisfez com essas volutas,
Das suas entranhas vieram seres

Dos mais antigos e estranhos:
Eros, o deus do amor, foi o primeiro,
Em seguida Tártaro, senhor de tamanhos
Abismos, futura prisão dos inimigos.

Eros tirou Gaia do prumo.
Pelo desejo ela pariu dois filhos:
Urano, o céu estrelado noturno,
E Ponto, o grande mar envolvente.

Foram sua primeira dupla de amantes.
Assim se completou o primitivo Cosmos.
Com Ponto foi como se nunca houvesse antes.
Amaram-se uma única vez inesquecível

E daí nasceu uma renca de deuses e monstros.
O primeiro foi Nereu, antiga divindade marítima,
Mestre em se metamorfosear nos outros
Seres aquáticos, seus velhos companheiros.

Desposou a oceânide Dóris e foi genitor
De um filho, Nérite, e cinquenta filhas sereias:
As Nereides. Depois deste esforço reprodutor
Nereu vivia meio adormecido no Mar Egeu.

Aí surge nosso herói de novo na história,
Levado pelas ninfas do rio ao esconderijo,
Onde Nereu sonhava com sua passada glória.
Pé ante pé, Héracles penetrou na alcova marinha.

Jogou sua rede para pescar aquele ente mitológico,
Nereu acordou no susto e transmudou-se em arraia,
Depois virou tubarão, como num passe mágico,
Mas não conseguia se mover no emaranhado.

Héracles pegou no peixe bem pesado:
“Nereu, desembucha senão te sufoco!”
Velho do Mar confessou o segredo bem guardado,
O caminho para o Jardim das Hespérides.

O que será que Héracles queria com aquilo?
Você deve estar se perguntando, curioso.
Pra te explicar dando o melhor do meu estilo
Precisamos voltar um pouco no tempo mítico…

Quando Hera se casou com Zeus,
Em suas núpcias de trezentos anos,
Ganhou de Gaia, a velha Mãe Terra,
Três preciosos frutos de ouro.
Plantou os pomos, secretamente,
No jardim mais lindo que houvera.
Pra guardá-los das ervas e homens daninhos
Escalou um dragão de cem cabeças
(Irmão da Hidra de Lerna)
E sete ninfas pra comandá-lo:
Hesperatetusa, Hespéria, Hespéris, Egéria,
Clete, Ciparissa e Cinosura,
Mais conhecidas como As Hespérides.
Tinham o dom de controlar as feras,
Mediadoras da ordem natural entre três mundos:
O cotidiano, o paradisíaco e o subterrâneo.

Pra chegar a tal pomar
Havia muitíssimos obstáculos,
Fora que ninguém sabia onde era.
Mas Euristeu acordou de um sonho estranho
E passou a querer esses pomos.
“Héracles, te arrumei outro trabalho!”
Lá se foi o primo atrás do último capricho.

Saiu da Grécia pelo Norte,
Sem saber que a procura
Se estenderia por tantos anos.
Logo de cara apareceu um contratempo:
Atravessando a Macedônia,
Héracles foi desafiado por Cicno,
Um bandoleiro violento e sanguinário
Como Ares, seu pai e Deus da Guerra.
Vivia de assaltar os peregrinos do Oráculo de Delfos.
Após matá-los, oferecia-lhes os despojos ao pai eterno.
O herói assassinou o traste em regojizo,
Pra defrontar-se com a vingança do deus guerreiro.
Mas Atena desviou o dardo mortal de Ares,
Para que o herói o esfaqueasse na coxa,
Botando-o em fuga desabalada pro Olimpo.
Mais um vexame do profissional da violência.

Sem a menor pista do seu intento,
Héracles navegou para o Sul
Até aportar num deserto da Líbia.
Ali quem mandava era Anteu,
Gigantesco filho de Posseidon e Gaia.
Construía um templo pra seu pai
Com os ossos dos viajantes incautos,
Estraçalhados por seu abraço hospitaleiro.
Ele vivia numa caverna dentro de um alto rochedo,
Onde se alimentava de dez leões por dia.
Depois dormia na terra desnuda
Pra aumentar sua força descomunal.
Por baixo, Gaia o protegia amorosa.
Anteu chamou nosso semideus pra briga.
Ambos tiraram suas peles de leão
Pra se preparar pra grande luta.
Enquanto Héracles besuntava seu corpo
Com azeite de oliva à maneira olímpica,
Anteu despejou areia quente nos seus membros,
Como se o contato dos pés com a Mãe Terra
Já não lhe desse força suficiente.
Os combatentes partiram pra grosseria:
Depois de horas de agarra agarra,
Héracles arremessou Anteu na lona
Para ver, bestificado, os músculos do gigante
Incharem, tornando-o maior do que já era.
Àquela altura achou que ia pro vinagre.
O risco de vida, deixou-o mais esperto:
Sacou que toda aquela força
Vinha do útero da mãe dele.
E suspendeu Anteu a uma grande altura,
Rompendo-lhe as costelas impiedoso,
Apesar dos gemidos vindos do fundo da Terra.
Em suas mãos, o gigante se desmilinguiu até a morte.
Dizem que ainda hoje é o guardião
Do nono círculo do Inferno de Dante.

Saindo da Líbia, Héracles adentrou o Egito,
Terra do faraó Osíris, outro filho de Posseidon:
O mar não estava pra quem não era peixe.
Por nove anos, o Egito sofreu bruta seca
Até que um oráculo de Chipre deu a dica:
A chuva voltaria, se um estrangeiro por ano
Fosse sacrificado. O cipriota foi o primeiro.
Mal apresentou o passaporte grego
Héracles foi preso e enjaulado.
Seria o próximo a pagar pelos egípcios pecados.
Ficou atado a um altar por muito tempo…
A raiva acumulada moeu as correntes
E matou Osíris com requintes de horrores.

Em êxodo do Egito,
Nunca se sentiu tão perdido.
Até que num sonho,
Atena lhe soprou no ouvido:
“Procure minhas amigas, as ninfas do rio“.
E assim, Héracles chegou a Nereu,
Como descrevi no início do poema.
Enfim um palpite feliz
Sobre o endereço do jardim divino:
Primeiro devia ir a um grande monte
Nos confins orientais daquelas plagas.
Héracles escalou o Cáucaso confiante
Pra se deparar com uma cena animalesca:
Uma águia engolia o fígado de um deus acorrentado.
Prometeu, o premeditador, era o objeto da covardia.
Nada menos que o criador da raça humana,
Ao roubar do Olimpo o fogo sagrado.
Sua sentença era sofrer, por trinta mil anos,
O fígado regenerado ser comido pela águia.
Héracles se insurgiu contra a injustiça,
Trespassando a ave de rapina com a flecha envenenada de seu arco.
Arrancou os grilhões que prendiam o titã às rochas
E contou-lhe a sua aventura diuturna.
Prometeu ouviu atento e soltou esta:
“Falou com a pessoa certa,
Sei quem pode te descolar os pomos:
Atlas, meu irmão, é o pai das Hespérides.
Segue em direção ao extremo oeste,
Onde a Terra se acaba
E repita pra ele esta história“.
Héracles beijou Prometeu na testa,
Sentindo que enfim estava na rota certa.

Ao longe, avistou um colosso:
Atlas carregando o Mundo às costas,
Curvado pela dor insuportável.
Os olhos cerrados não pediam ajuda.
Sabia que Zeus a negaria, implacável.
Ele faria o mesmo se tivesse ganho
A Titanomaquia, batalha do caos contra a ordem
Miseravelmente perdida para os deuses.
Comovido com o espetáculo,
Héracles se acerca e transfere
O peso de Atlas pra seus ombros.
Engasgado pelo esforço
Conta aos poucos sua busca pelos pomos.
Atlas responde econômico:
“Disto eu me encarrego”.
E volta logo com os obscuros objetos do desejo.
“Amigo, fique aqui mais um bocado
Levarei a Euristeu o seu trabalho”.
Héracles suou mais frio que o rio Cócito
E teve que pensar ultra rápido:
“Atlas, estou aqui pra cumprir minha pena,
Você tem outra pra si mesmo.
Zeus ficaria furioso se soubesse
Que trocamos entre nós nossas torturas”.
Atlas concordou resignado,
Tomando de volta o Mundo na corcunda.

Depois de todos esses anos de aventuras,
Nosso herói voltou pra Micenas
Com o corpo em frangalhos.
Mostrou os prêmios a Euristeu
Mas não o deixou tocá-los.
Fez uma oferenda a Atena,
Sua protetora na viagem.
Em sua clareza de ideias, ela simplesmente
Devolveu os pomos pras Hespérides.

Sérgio Viralobos (Foto: Facebook)
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