quinta-feira, março 28, 2024
spot_img
spot_img
spot_img
InícioPolítica ParanáDe Ratos de Porão a Krishna: Goura e a política sobre duas...

De Ratos de Porão a Krishna: Goura e a política sobre duas rodas

spot_img

Narley Rezende conta no Bem Paraná que prestes a completar 40 anos de idade, o representante mais legítimo da “cena underground” ou “alternativa” da classe média curitibana na política estadual, que foi do culto ao hardcore aos templos indianos do deus Krishna, Jorge Brandt, conhecido Goura Nataraj Das (Servo de Krishna, Rei dos Dançarinos), seu nome de batismo Hare Krishna, ainda se sente representante das pautas originais, mesmo depois de chegar à Assembleia Legislativa. “Sou um devoto de Krishna”, diz. Lactovegetariano há 24 anos, professor de yoga, filósofo, ativista e “o cara da bicicleta”, Goura foi alçado à cena política pelas bandeiras da ciclomobilidade, intervenção urbana, cultura, ocupação dos espaços públicos, proteção do meio ambiente e da alimentação livre de agrotóxicos.

Nada mais autêntico que começasse sua vida pública filiado ao Partido Verde (PV), que depois veio a descobrir “não ser tão verde assim”, até que a compreensão do jogo político o levasse a integrar um grupo no PDT. Antes de roupas coloridas, calças de pano cru e cabeludo, e agora de terno e gravata, sentado ao lado de políticos tradicionais com quem negocia suas pautas, quando questionado, o parlamentar faz um paralelo de sua carreira com a da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), outra “outsider”, que em sua avaliação cometeu um “erro estratégico” por rejeitar modelo de previdência proposto por seu partido e votado com o governo federal.

Goura admite também ter cometido seus próprios “erros estratégicos”. “Eu não me arrependo, da ‘segunda-feira sem carne (na merenda escolar), que já é lei em São Paulo, que vem desde Paul McCartney, o beatle, e a gente apresentou como projeto de lei. Isso provocou um debate muito agressivo”, lamenta, que foi vereador por dois anos e é deputado estadual desde fevereiro.

Entre 18 vereadores de Curitiba que se candidataram em 2018, foi o único eleito para a Assembleia.

E já pensa em novo vôo, como pré-candidato à prefeitura de Curitiba, vaga que deve disputar no PDT com o ex-prefeito Gustavo Fruet. “Estou no terceiro ano parlamentar e acho que tenho condições de representar um projeto de cidade. Gustavo (Fruet) é um dos melhores quadros políticos do Paraná, que sofreu muito o boicote deliberado do governo estadual, em relação ao municipal. (…) O PDT está trabalhando com os dois nomes (Goura e Fruet) e eu entendo que meu nome representa um oxigênio novo, um olhar para frente que tenho trabalhado até antes de estar no PDT”, afirma.

Bem Paraná – Sua vida política começou com uma banda?
Goura – Aos 15 anos eu estava envolvido com uma cena musical hardcore e punk. Eu morava no Ahú. O primeiro show que eu fui foi do Ratos de Porão, em 1994, no Palácio de Cristal, quando eu tinha 14 anos. Era Ratos de Porão com Boi Mamão abrindo. Lembro que fui eu e um amigo e a gente pogando levava porrada, caia no chão, aí vinham uns caras mais velhos vinham e levantavam a piazada. E comecei a me envolver. A gente ouvia muito as bandas punks e politizadas, como Dead Kennedys e outros. Com 16 para 17 anos eu comecei a me interessar pela cultura do yoga, especialmente pelo Shelter, uma banda de Nova York que vinha da cena hardcore e eles todos (da banda) viraram hare krishna, vegetarianos, e as letras do Shelter eram letras filosóficas, de provocação. Aquilo mexeu comigo. Foi um momento de adolescência, de crises e angústias. Eu matava aula para ir no templo hare krishna, parei de comer carne, briguei com a família ali naquela ocasião. Paralelamente continuei mantendo contato com uma cena musical. A gente tinha uma banda, a Family, a primeira banda ‘straight edge’ de Curitiba. Eu tocava guitarra, fazia as letras e fazia as músicas. A Family teve tapes e Cds independentes e a gente tocou em São Paulo várias vezes, fazia algumas turnês. Depois tive outras bandas. (Left Behind, Dias de Glória, Leste da Montanha e Justman).

BP – Sua turma era grande?
Goura – No começo era pequena, uma cena musical, assim, mas aqui em Curitiba a gente fazia shows no DCE (Diretório Central dos Estudantes), pegava o espaço, fazia o show. Entrei em Filosofia em 1998, pela Federal. Eu tinha 18 anos.


UNDERGROUND
‘Sempre teve essa vontade de mudar as coisas’

Bem Paraná – Você foi batizado? Como se organizou para seguir doutrina hare krishna?
Goura – Eu fui iniciado na Índia. Passei no vestibular, consegui convencer meus pais. Eu passei em Biologia, na verdade, foi no segundo semestre e transferi para filosofia. Só que antes de começarem as aulas surgiu a oportunidade de fazer a viagem com 30 monges hare krishna para a Índia, para um mês de peregrinação. Aí no final da viagem encontrei lá meu professor, meu guru, que é brasileiro, um mestre hare krishna e pedi para sei iniciado. Foi em março de 1998. Lá que ganhei o nome Goura Nataraj Das. Significa o “Servo de Krishna o Rei dos Dançarinos”. É um nome dado pelo guru, pelo mestre. Os nomes são referências a divindades, a Deus, no sentido de que o discípulo deve sempre elevar sua mente. A própria ideia do Mantra, que é uma palavra sagrada, que em geral são nomes de Deus, cuja repetição e lembrança elevam a consciência.

BP – Quando voltou ao Brasil, se formou, chegou a dar aulas?
Goura – Estudei Letras Clássicas junto com a graduação em Filosofia. Minha dissertação na graduação foi uma tradução de textos de Seneca, de Maro Aurélio, do Grego e do Latim. Engatei a graduação com um mestrado, quando estudei (Arthur) Schopenhauer, especialmente a aproximação de Schopenhauer com a metafísica indiana, dos vedas. Eu não cheguei a dar aulas de filosofia, fiz estágio no Colégio Estadual do Paraná, mas dei aulas de Yoga, nesse tempo comecei a estudar mais o hatha yoga, dei aulas de sânscrito e comecei a dar aulas sobre a filosofia da Índia e do Yoga. De 2003 a 2015, quando entrei na Prefeitura, vivi basicamente dando aulas.

BP – Você tem duas filhas?
Goura – Elas nasceram em 2009 e 2012. Foi no período que entrei no Coletivo Interlux, de intervenções urbanas.

BP – Foi nesse momento que começou o ativismo urbano, dos “coletivos”, que começaram nesse período?
Goura – A gente já estava, eu pessoalmente, com uma angústia, pensando ‘nesse mundo está tudo errado’, ‘a gente tem que mudar (o mundo)’. A cena que a gente tinha era punk politizada e a gente tinha uma crítica muito grande ao “For Fun”, esses hardcore sem engajamento político, as bandas que não tinham nada a ver. A gente já tinha ali, o pessoal, straight edge, não consumia drogas, com uma preocupação com uma elevação individual e uma mudança social.

BP – Você viveu algum período em contato com drogas, alcool?
Goura – Fiquei dos 17 aos 24 anos sem tomar nem café. Foi muito importante para mim. Foi um período de formação física, cidadã, intelectual que foi muito boa, vejo agora olhando para trás. Mas sempre teve essa vontade de mudar as coisas. Quando voltei da Índia em 2004, que fiz uma viagem maior, uma segunda viagem, e estava já concluindo a viagem e reencontro esses amigos aqui que tinha o Coletivo Interlux. Era um coletivo de artistas, basicamente o Ruan Parado, Rimon Guimarães, André Mendes, Fernando Rosembaun, que estavam pensando muito a arte no sentido de intervenção urbana, com grafite, o lamb, festas e coisa e tal. Eu queria continuar as coisas, mas via que o hardcore tinha suas limitações. A gente começou a pensar algumas formas de intervenção urbana, como, por exemplo, a Bicicletada, a Jardinagem Libertária, que tinha uma interface política. A gente estava discutindo o uso da bicicleta como intervenção e o impacto em uma discussão política, sobre a cidade, com o prefeito, com o Ippuc.


BICICLETADA
Pintura de ciclofaixa marcou movimento

Bem Paraná – Qual foi sua primeira reunião, em que levou um projeto, uma ideia ou reivindicação a um político ou gestor público?
Goura – A gente começou em 2005 a Bicicletada de Curitiba, como a segunda cidade do Brasil com a bicicletada, a primeira é São Paulo. E a bicicletada era na hora do rush, última sexta-feira, os ciclistas se reunirem e saírem no meio dos carros, de forma a mostrar a falta de uma divisão de espaço igualitário do espaço público, predomínio do carro, etc. A gente começa isso com um movimento de baixo para cima, horizontal, sem líderes, para provocar a sociedade em geral, sem uma organização. Saía pedalar, fazia cartazes, fazia uma coisa bem performática. E a gente começa a ver que estávamos gritando da rua, e qual a consequência? No Dia Sem Carro de 2007, dia 22 de setembro, era um sábado, e a gente fez um ato, a gente organizou esse ato, que foi a pintura da primeira ciclofaixa pirata, aqui na Rua Augusto Stresser, perto do Couto Pereira, em que a gente comprou tinta asfáltica, fizemos um manifesto, entregamos aos comerciantes, moradores e residentes, saímos em uma bicicletada no sábado de manhã. Na ocasião, alguém falou ‘o prefeito está ali no Passeio Público’. A gente direcionou todo o grupo, com uns 50 ciclistas, até o Passeio Público, cercamos onde ele estava e todo mundo gritando ‘menos carros’. Os assessores já ficaram preocupados, assim, e ele estava do lado de lá das grades. Chegamos todos meio que fantasiados e ele não pôde nos ignorar. Eu tomei a frente, chamei ele. Entregamos a ele algum material e ele disse ‘vamos conversar’ e não sei o quê. De lá fomos à Augusto Stresser para concluir nosso ato de desobediência civil em que a gente fechou a rua com as bicicletas para que a gente começasse a pintar a ciclofaixa. Quando a gente terminou de pintar, a gente guardou as tintas, chegou a Guarda Municipal, de forma autoritária, eles tiraram a identificação (da farda). Eu estava cabeludo na época e eles ‘você aí, cabeludo’, Rosembaum estava careca e Ruan estava normal. ‘Entra na viatura’.

BP – Pegaram os líderes?
Goura – Identificaram como liderança e levaram a gente para a Delegacia do Meio Ambiente na Erasto Gartner. A gente foi autuado por crime ambiental, pichação. Na autuação, fui inscrito em dívida ativa. A gente decidiu fazer um crowdfunding, uma vaquinha, fizemos uma festa com Trombone de Frutas, que não era Trombone de Frutas, o Luiz Felipe Leprevost, para arrecadação. A gente decidiu pagar as multas do Ruan e do Fernando porque eles participavam de editais da Fundação Cultural e precisavam ter o nome limpo. Eu não precisava. A gente decidiu, como um ato político, manter a multa no meu nome e entrar na Justiça. A gente perdeu no âmbito administrativo duas vezes, depositou o recurso em juízo, entramos na Justiça e aí a gente venceu. O processo só se conclui na gestão Gustavo Fruet. Coisa absurda. O recurso a gente destinou para ações educativas de trânsito.

BP – Essa ciclofaixa te colocou na política?
Goura – Na época, a pintura da ciclofaixa deu grande repercussão, até pelo fato de a gente ter parado na delegacia. A mídia cobriu e criou-se uma reordenação no trânsito. Enquanto a faixa estava lá, passava um carro e ficava o espaço para o ciclista. Em algumas semanas, a prefeitura apagou a ciclofaixa. A gente chamou a imprensa, saiu a gente mostrando a ciclofaixa. A gente fez a repintura da ciclofaixa, só que aí a gente chamou a imprensa. Na ocasião, a gente juntou o primeiro desafio intermodal. A Universidade Federal (depois) incorporou isso. É o ciclista, o usuário do táxi, do ônibus, motociclista, o carro e o pedestre, saindo da ciclofaixa. Aí ela ficou até o tempo apagar. Mas foi importante porque aí o prefeito, Beto Richa, no caso, nos chamou e a gente foi ao gabinete. Na ocasião eles falaram, meio que para dar uma resposta, que eles iam fazer o projeto da ciclofaixa da Marechal Floriano e disse que ‘em 2008 está pronto’. Lembra que a Marechal só ficou pronta na gestão Fruet em 2014. Foi um processo que teve início a partir desse ato.

BP – A Cicloiguaçu que institucionalizou o movimento?
Goura – Em 2011 a gente sente a necessidade de aprofundar essa interface política e foi criada a Cicloiguaçu, a Associação dos Ciclistas do Alto Iguaçu. Eu, por aclamação, por aclamação, viro membro coordenador. A gente faz a carta-compromisso aos candidatos em 2012, então começa a ganhar um relevo político maior ali.

BP – Estando hoje na política, você mantém seu nome hare krishna. Qual é sua religião hoje, ainda se considera um homem de fé?
Goura – Considero. Tenho minha espiritualidade, busco meditar todos os dias, sinto que a visão de mundo que eu tenho é marcada por esses anos todos de formação espiritual. Não pratico mais a vivência institucional do movimento hare krishna. Já estive muito próximo disso, já tive a cabeça raspada, já vendi livro na rua. Nunca fui um monge de morar no templo, mas eu meditava duas horas por dia. Eu diria que hoje sou um devoto de Krishna.

ELEIÇÃO
‘Aprendi a dar nó em gravata’

Bem Paraná – Como foi feito o convite para que você integrasse a gestão Fruet? Você estava no PV. Tem alguma relação?
Goura – Eu fui para o PV, porque era o partido… ‘verde’ (risos). Achei que era o partido de pautas ecológicas. Eu não venho de uma formação política clássica, de movimento estudantil ou partido. Meu pai foi candidato várias vezes, teve uma mobilização, mas eu nunca quis ser candidato. Era claro que o processo político para mim não era o político institucional, partidário, eletivo. Eu me candidatei quando fui convencido por amigos, que consideram que eu era a face pública do movimento. Vamos lá, me convenci. Por qual partido? PV. Fizemos uma campanha de baixíssimo custo. O partido não ajudou nada. E a gente conseguiu fazer uma grande votação. Fiz 11 mil votos em Curitiba (para deputado federal). Passou um tempo, lembro que estava no alto do (morro) Anhangava e recebi um telefonema da secretária de Trânsito, Luiza Simoneli, que é do PDT, dizendo que ela e Gustavo queriam me convidar para participar. Nos dois anos anteriores, em 2013 e 2014, Gustavo começou a colocar algumas coisas em prática que estavam na carta compromisso, que todos os candidatos tinham assinado, o (Rafael) Greca, o Ratinho Junior… Então, eu recebi o convite e disse ‘deixa eu pensar um pouco’. Demorei uns dez dias para responder a ela. Topei. Eu era do outro lado, do ativismo, mas topei.

BP – Por que exatamente saiu do PV?
Goura – Nesse meio tempo, Alvaro Dias entrou no partido (PV) e eu disse ‘cara, eu não vou ficar aqui, junto com o cara que diz que agrotóxico é fitossanitário. Eu não vou estar aqui. E veio o convite para entrar no PDT, da Luiza, do Gustavo. Eu trabalhei com a hipótese de me candidatar ou não a vereador até o último momento. Eu vi que tinha chances reais.

BP – Foi aí sua vida mudou bastante, não?
Goura – Aprendi a dar nó em gravata.

BP – As pessoas te cobram fidelidade às origens?
Goura – Convivi desde o começo com uma ambivalência. Tem gente criticando, dizendo ‘você está querendo se apropriar do movimento’. Por outro lado, eu tinha legitimidade para falar em nome do movimento. Fui eleito vereador em 2016 e já fazia 12 anos que estava discutindo com Ippuc, Setran, prefeito, inclusive aqui na Assembleia. Um simples ativista que vinha aqui no (Ademar) Traiano, com Guto Silva junto, cobrar bicicletário na Assembleia. Fiz esse exercício de abrir um leque de pautas e ações. É que como vereador você tem que se posicionar em todos os assuntos que chegam.

BP – Agora que você senta com outros políticos, negocia, cede e cobra, o que você diz a quem está no ativismo hoje?
Goura – O aprendizado de estar aqui, ocupando o espaço, é de também não abrir mão de princípios, de ideais e utopias, mas conseguir ter um avanço significativo. Um exemplo: o projeto mais importante que a gente aprovou na Câmara de Vereadores, da Agricultura Urbana. Incubamos esse projeto, fizemos audiências públicas, debatemos, chegamos a um projeto que se fosse no meu nome protocolado, ele não ia passar. Porque o prefeito (Rafael Greca) ia orientar a base a derrubar. Mas a gente conseguiu articular com o secretário de Abastecimento que tinha interesse no projeto e a gente protocolou o projeto em nome da Comissão de Meio Ambiente. Pro Greca ficou mais confortável.

BP – Você se posiciona nas votações com a esquerda, com o trabalhismo, com a oposição. Como vai crescer politicamente e convencer o curitibano de direita para ser prefeito?
Goura – A gente teve a votação do ‘Escola Sem Partido’. Eu tenho uma posição de centro-esquerda, a gente tem conversado e dialogado com vários setores, mas se não fosse esse diálogo com o centro e a centro-direita também, o projeto ‘Escola Sem Partido’ teria sido aprovado. Se a gente não tivesse conseguido sensibilizar deputados que não são de esquerda, que são mais conservadores, mas que entenderam que o projeto é inconstitucional.

BP – Até onde vai sua carreira política? É a favor da reeleição no Executivo?
Goura – Dentro da filosofia do yoga, a gente exerce o desapego. Sim, uma vez (a reeleição), acho que sim. A política é um serviço. Um ato de doação, de servir a sociedade.

Notícias Relacionadas

4 COMENTÁRIOS

  1. Sem carne, sem glúten, sem lactose, sem gordura, sem sal, sem açúcar, orgânico e vegano…
    Ah, vão tomar banho, seus ecochatos!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img
spot_img
spot_img
spot_img

Notícias Recentes

- Advertisment -